Entreter dentro de casa: Jogos de tabuleiro vs Jogos eletrónicos – quem ganha?

Publicado por B de Brincar em

Com o frio lá fora, a brincadeira costuma fugir (mais) para dentro de casa. E muitos pais colocam, à partida, várias questões.
Como vou tirá-lo de frente da televisão? Como vou desligá-lo da consola? Como o convenço a fazer outras atividades? Será que o consigo manter quieto? E satisfeito?

Vou contar-lhe uma espécie de segredo. Durante algum tempo questionei-me sobre um fenómeno transversal a quase todos os meus clientes, desde os mais pequenitos aos adolescentes. Olhando para o armário onde guardo livros e jogos, praticamente todos eles me perguntavam (e continuam a perguntar) se podiam jogar xadrez, damas, scrable, 4 em linha, dominó, entre outros. Para mim era curioso o facto de crianças e jovens da era da tecnologia, com muitos dos seus pais a lamentarem o desinteresse por qualquer atividade com exceção da televisão e dos jogos eletrónicos, pedirem naquele contexto para jogar jogos de tabuleiro. Iniciando os jogos pedidos era, depois, delicioso ver o seu entusiasmo e alegria durante o jogo. Deixando de lado a dimensão da psicoterapia, sempre presente, mesmo durante os jogos, lá fui compreendendo o que escondia o pedido para jogar.

"Eu peço à mãe para jogar dominó, mas ela diz que não tem paciência.", disse-me uma vez o João.
"Eu até pedi ao pai para jogar ao 4 em linha mas ele disse que não tinha piada nenhuma.", confidenciou uma vez a Ana.
"Deram-me uma vez no Natal o Monopólio mas nunca quiseram jogar comigo. E olha que peço muitas vezes.", disse-me a Beatriz, certo dia.
"Os meus pais estão sempre nas coisas deles e eu tenho de brincar sozinha. Estes jogos não dão para jogar sem companhia, pois não?", perguntou-me, em jeito de lamento, algumas vezes, o Vicente.

Um jogo de tabuleiro é uma excelente plataforma para o desenvolvimento global da criança: nas dimensões cognitiva, emocional, social e também motora. Mas em casa é particularmente pela dimensão social que as crianças anseiam o jogo de tabuleiro acabando por ser o adulto, muitas vezes, que orienta a criança para outra actividade, ora porque ele próprio não se identifica com o jogo, ora porque considera prioritárias outras tarefas.

Os jogos de tabuleiro implicam a partilha de regras entre todos os participantes, havendo diversos benefícios do ponto de vista social, como a capacidade de comunicar verbalmente, partilhar, esperar a vez, e apreciar a interação com outras pessoas. Este tipo de jogos constitui ainda uma oportunidade de aprender a respeitar e ajudar o adversário. Na dimensão emocional as potencialidades são imensas: o contacto com o orgulho e a felicidade da vitória, mas também com a frustração e zanga da derrota; a empatia pelo adversário e aquilo que ele por oposição a si, está a sentir. É precisamente por estes momentos de partilha e interação social, enquanto se divertem em jogos que as estimulam, que as crianças adoram jogos de tabuleiro.

Mas, posto isto, os jogos digitais devem ficar escondidos no fundo de uma gaveta? Os jogos digitais permitem a estimulação de todas as competências cognitivas dos jogos de tabuleiro, mas com outras variáveis aliciantes, para miúdos e graúdos. Para as crianças que ficam fascinadas com a qualidade gráfica e com o realismo das imagens e dos sons. Para os pais que ficam fascinados com a possibilidade de terem tempo para eles. Onde tendencialmente “perdem”? Na vertente social. Isto porque os videojogos são tendencialmente isolantes, limitam a interação social dos mais novos e podem tornar-se viciantes. É precisamente por isto que eles no consultório adoram os jogos de tabuleiro. Porque alguém está, efetivamente, ali com eles.

Pais, os vossos filhos querem brincar convosco. Aquilo que a criança mais quer, e precisa, é estar consigo, sem grandes objetivos em mente, para além do simples prazer de passarem tempo juntos. E os jogos de tabuleiro são uma excelente forma de estreitarem laços emocionais. E, adicionalmente, desenvolverem competências cognitivas, emocionais, sociais e motoras. O mais importante é mesmo brincar. As crianças devem jogar e brincar todos os dias. Através da brincadeira as crianças expressam emoções, raciocinam, interagem com os outros, resolvem problemas. Mais importante do que o tempo de brincadeira em conjunto é a qualidade desse tempo, seja ele em torno de um jogo de tabuleiro, de um videojogo, de um livro, de fantoches ou de jogos de construções.

Mas mesmo com o Inverno como pano de fundo, a diversão pode reinar ao ar livre. Galochas nos pés e muitas brincadeiras nas poças de água. Gorro na cabeça e uma bola a rolar pela relva no jardim. Casaco quentinho e balde na mão para brincadeiras no areal deserto da praia. Luvas quentinhas e bonecos de neve a surgir.

Quem ganha, afinal? Com bom senso, coerência, equilíbrio, podem ganhar ambos. Desde que a criança também ganhe a oportunidade de brincar e de crescer, passando tempo de qualidade com os seus pais.

Por Inês Afonso Marques
Psicóloga Clínica e Coordenadora da Equipa Infanto-Juvenil da Oficina de Psicologia

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